segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Bom sinal

Quando o azul do céu se funde com o azul do mar, há uma presença que se destaca no horizonte. São as gaivotas que chegam curiosas, mas sempre certas daquilo que procuram. Por isso, o seu aproximar já é para nós um bom sinal. À medida que mais chegam, aumenta a nossa esperança num bom lance. A rede desce às profundezas e logo se aproximam rapidamente. Ao mínimo sinal de peixe, começa a cantoria e mais, muitas mais, se juntam ao repasto. Centenas rodeiam a rede e dão o mote da música ambiente para mais uma faina. Depois, sem vergonha e com o peito feito de confiança, tiram uma cavala aqui e uma sardinha ali. Vêm de todas as direcções e não há meios humanos para controlar o saque destas aves afoitas. De papo cheio, afastam-se, mas com a promessa de regresso, nem que seja para saudar aqueles que também partilham o mar consigo.

Pássaros de fogo

(Text & Photo - Luís Pinto Carvalho - All Rights Reserved)

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Ao milímetro

Em tempos idos, o Mestre gritava “à feição” para anunciar aos camaradas a ordem de largada da rede. A expressão era passada de boca em boca até toda a companha estar preparada. Hoje, o simples toque num botão é suficiente para pôr a traineira num bulício. Quando a buzina toca, todos deixam o que estão a fazer para ocupar os seus postos. Ficam descansos suspensos, conversas por acabar e telenovelas a meio. Enquanto a traineira prepara o melhor local para iniciar o cerco, aos olhos comuns, parece estarmos perante uma tremenda confusão. No entanto, todos sabem exactamente onde estar, não há encontrões nem atrapalhações. Quando a rede começa a sair pela popa da traineira, há concentração e trocam-se expectativas sobre mais uma faina. Contempla-se o mar, o céu, a terra ou, simplesmente, aguarda-se com tranquilidade o final do cerco. No convés está tudo preparado ao milímetro. Cabe aos homens e ao destino fazerem o resto.

Aprumado

(Text & Photo - Luís Pinto Carvalho - All Rights Reserved)

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Na escuridão

Final de tarde. A proa está apontada a Sul e navegamos tranquilos num mar de Verão. A melodia das ondas à nossa passagem embala-nos até ao local de pesca. Duas horas depois, lançamos as redes ao mar e o primeiro lance rende cavala, carregada no barco de apoio, mais conhecido por enviada. No entanto, uma brisa fresca no rosto salgado desperta para a mudança de tempo. De olhos no mar, há vozes que anunciam a chegada de nevoeiro. Arriscamos e fazemos mais um lance. O cerco a fechar sobre o peixe e a névoa a fechar sobre nós. Chega a noite e acendem-se os primeiros projectores do mastro. Com eles, sombras gigantes ganham forma sobre o nevoeiro denso. A visão parece alcançar apenas recortes de preto e branco. Neste jogo de xadrez, sob a noite e a névoa, conseguimos fazer xeque-mate ao peixe. Mais cavala. O regresso, esse, na total escuridão. Nem uma estrela, nem um ponto que nos pudesse orientar à vista desarmada. Os aparelhos de navegação deram a ajuda necessária. Na chegada à baía fomos recebidos por sinais sonoros graves e robustos. Era uma corveta da Marinha Portuguesa ali fundeada. Sesimbra estava mergulhada na penumbra. Só depois da entrada no porto vimos luzes, as do cais, as de terra. Prosseguimos a labuta. Era hora de descarregar o pescado.

Cinzento

(Text & Photo - Luís Pinto Carvalho - All Rights Reserved)