quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Pena solta

Em dia de temporal regresso à pena. A traineira não vai sair. O vento e a vaga não o permitem. A incerteza deste ofício ganha novos contornos, desenhados pela agrura do Inverno. A esperança em melhores dias passa pela previsão meteorológica. Até as águas ficarem calmas, não se ganha. Resta-nos esperar e contar com o ombro amigo da paciência, amarrados a terra, como o barco à amarra. Agarrado a esta pena, a memória transporta-me até outras penas, deixadas por visitantes dos ares em tempos de faina. De acordo com alguns Mestres do antigamente, ver uma pena em cima da rede era sinal de mau agoiro. Nunca me explicaram. Segredo solene. Não sei por que motivo. Não sei qual a razão. Mas sei que quem não a removesse das malhas do sustento arriscava-se a uma dura reprimenda. Essa superstição ainda hoje persiste. Volta e meia, a conversa das penas vem a tona. Hoje não as conseguimos ver. O temporal não deixa.
Memória

(Text & Photo - Luís Pinto Carvalho - All Rights Reserved)

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Imaginem

Hoje deixei o meu pensamento fluir, sem amarras nem grilhetas. Enquanto reparava na pele que me caía das mãos, dei por mim a sonhar acordado. Imaginem um país voltado para o Mar, em chamada crise, mas em que ao cais de um porto de pesca chegam toneladas e toneladas de peixe. Pela metade, esse peixe regressa ao Mar, morto, sem utilidade. Não há quem compre – apesar da pechincha por quilo -, não há quem tenha capacidade para o escoar para os recantos da pobreza encapotada desse mesmo país e até para fora de portas. Reflicto. Nesse mesmo país, assisti ao corridinho de quem reclamava um pacote de massa a uma instituição, mas que toma o pequeno-almoço fora, tem 500 euros de ouro no corpo, tatuagens da moda e unhas de gel a preceito, sem falar no DVD, na consola e na TV por cabo. Esse é o tal país em que se apontam facas a “ele”, um senhor lá para cima que se chama Estado, mas que somos eu e tu, nós e vós. Lembrei-me que, talvez, há uns bons anos, esse país não existisse no imaginário dos inocentes e dos permeáveis, mas apenas no dos realistas e dos pessimistas, para o bem e para o mal. Amanhã é outro dia. Qualquer semelhança com a realidade terá sido mera coincidência.

Abundância

(Text & Photo - Luís Pinto Carvalho - All Rights Reserved)

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Semana em terra

O material tem sempre razão. Depois de oito meses na faina, com o consequente desgaste acumulado, a Luís Adrião esteve uma semana em reparação. Tratamento e pintura das madeiras, manutenção de maquinaria e as devidas atenções à rede, a denominada “arte”, como costumamos chamar. Ontem, ainda em terra, a labuta arrancou com o sol, por volta das sete e meia. Terminou hoje às 15 horas, sob os impiedosos 30 Cº deste Outubro. Sem recorrer ao Pi, é tudo uma questão de fazer as contas das horas de trabalho. Após a descida do estaleiro, seguiu-se o embarque da rede. Acto contínuo, soltou as amarras e rumou a Norte do Cabo Espichel. A primeira pesca traduziu-se em 30 toneladas de cavala. Ao final da manhã, quando o estômago já pensava no almoço, a chegada da traineira trouxe consigo 12 toneladas de sardinha, vendida para conserva. Hoje, o Mar voltou a ser generoso. Não poderíamos desejar melhor regresso à faina.
Reparação

(Text & Photo - Luís Pinto Carvalho - All Rights Reserved)